
Por que a jurisprudência é um fator tão importante na gestão e recuperação de áreas contaminadas?
A gestão e a recuperação de áreas contaminadas são temas cada vez mais relevantes no Brasil, especialmente diante da crescente pressão por responsabilidade socioambiental e da intensificação das discussões sobre sustentabilidade. Apesar da existência de regulamentações específicas, o Direito costuma vir a reboque, acompanhando os avanços técnicos e científicos somente após sua consolidação na prática.
Nesse cenário, a jurisprudência, ou seja, o conjunto de decisões judiciais, ganha papel de destaque na interpretação das normas e na orientação de condutas de empresas, poder público e demais atores envolvidos.
A complexidade da regulação e o papel do Judiciário
A regulamentação sobre áreas contaminadas é densa e, muitas vezes, de difícil aplicação imediata. As obrigações legais decorrentes da contaminação de um imóvel envolvem, além da interpretação técnica do regulamento, questões jurídicas sensíveis, como a responsabilidade entre o poluidor e os proprietários subsequentes da área impactada. O Judiciário, ao ser provocado, não apenas interpreta essas normas, mas também resolve disputas entre particulares, por exemplo, entre quem causou a contaminação e quem adquiriu o imóvel posteriormente, estabelecendo padrões para casos futuros.
Como as decisões judiciais impactam as empresas?
Nos últimos anos, a jurisprudência tem orientado a atuação tanto de particulares quanto do poder público na solução de problemas ambientais. Ela define o alcance das obrigações, consolida princípios e serve como guia para a formulação de políticas públicas e a tomada de decisões corporativas. Isso significa que empresas que lidam com áreas contaminadas não podem se limitar à leitura da legislação: devem acompanhar os posicionamentos dos tribunais para avaliar riscos, planejar aquisições e definir estratégias de remediação.
Fundamentos legais das decisões judiciais
As decisões dos tribunais brasileiros em matéria ambiental têm como base não apenas a Constituição Federal e a lei, mas também princípios jurídicos amplamente reconhecidos:
- Princípio da prevenção: evitar o dano antes que ele ocorra, inclusive mitigando seus efeitos;
- Princípio da precaução: adotar estratégias para gerenciamento de riscos mesmo diante de incertezas científicas;
- Princípio do poluidor-pagador: quem causa o dano deve arcar com seus custos (internalização das externalidades);
- Princípio da função socioambiental da propriedade.
Além disso, são aplicadas normas da Constituição Federal, da Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), da Lei de Crimes Ambientais (LCA), além de súmulas e teses fixadas pelos tribunais superiores.
Responsabilidade objetiva e subjetiva
No campo civil, voltado à reparação e/ou indenização ambiental, a regra geral é a responsabilidade objetiva, ou seja, aquela que independe de culpa. Prevista no artigo 14, §1º da PNMA e no artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, essa forma de responsabilidade considera suficiente a existência do dano e o nexo causal com a atividade desenvolvida, dispensando a prova de dolo ou culpa.
O STJ, no Tema 681, consolidou o entendimento de que a responsabilidade ambiental é objetiva e orientada pela teoria do risco integral, o que significa que não são admitidas excludentes como caso fortuito ou força maior para afastar a obrigação de reparar e/ou indenizar.
Já a responsabilidade subjetiva só se aplica em casos específicos e exige a demonstração de culpa ou dolo, além da possibilidade de excludentes, como fato de terceiro ou caso fortuito, circunstâncias que não se aplicam à responsabilidade civil ambiental.
Riscos jurídicos na aquisição ou operação em áreas contaminadas
Empresas que adquirem ou operam em áreas contaminadas enfrentam riscos significativos, especialmente quando não há conhecimento técnico e jurídico adequado sobre o passivo ambiental existente. A falta de informação pode resultar em obrigações inesperadas de remediação, custos elevados e restrições ao uso da área, podendo inclusive inviabilizar economicamente o empreendimento.
Obrigação “propter rem”: o passivo que acompanha o imóvel
A jurisprudência também tem consolidado o entendimento de que as obrigações ambientais são de natureza propter rem, isto é, vinculadas ao bem e não à pessoa do proprietário. Assim, o novo adquirente de uma área contaminada herda automaticamente a obrigação de remediar o dano ambiental, independentemente de ter ou não contribuído para a contaminação.
Esse entendimento está expresso na Súmula 623 do STJ: “As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor”.
A prática reforça a importância da due diligence ambiental prévia à aquisição de qualquer imóvel com histórico industrial, para evitar surpresas e mitigar os riscos jurídicos e financeiros.
Casos emblemáticos do STJ e STF
Algumas decisões dos tribunais superiores têm servido de referência obrigatória para os operadores do direito e empresas que atuam com áreas contaminadas:
- Súmula 613 do STJ: “Não se admite a aplicação da teoria do fato consumado em tema de Direito Ambiental” — ou seja, não é possível alegar que uma situação irregular se tornou lícita com o tempo.
- Tema Repetitivo 707 do STJ: Reafirma a responsabilidade objetiva, reforça o dever de reparação material e moral, e nega a aplicação de excludentes.
- Súmula 623 do STJ: Obrigações ambientais são propter rem e podem ser exigidas de qualquer proprietário, atual ou anterior.
Esses precedentes evidenciam o estado da arte da tutela do meio ambiente pelos nossos Tribunais e a necessidade de atenção e cautela por parte das empresas.
Tendências e evolução jurisprudencial
A jurisprudência ambiental tem se consolidado com maior rigor, principalmente no reconhecimento da responsabilidade integral, mesmo em situações de contaminação histórica. Os tribunais vêm reafirmando a primazia da função socioambiental da propriedade e endurecendo o controle sobre práticas empresariais que negligenciam obrigações legais e técnicas.
Tendências indicam que haverá maior exigência de transparência na cadeia de responsabilidade e integração de soluções administrativas e judiciais para a remediação de áreas contaminadas.
Então, o que fazer diante de um passivo ambiental?
O primeiro passo, ao identificar um passivo ambiental, depende do papel da empresa:
- Para o poluidor: é necessário iniciar imediatamente o processo de investigação e gerenciamento da área contaminada, conforme as etapas legais e técnicas exigidas.
- Para o adquirente de imóvel: é essencial realizar uma due diligence ambiental antes da compra, incluindo a verificação de contaminação e os custos envolvidos, para que o contrato preveja com clareza a alocação de responsabilidades.
A jurisprudência brasileira tem deixado claro: em matéria de Direito Ambiental, prevenir é sempre melhor (e mais seguro) do que remediar.